segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

É campeão! – O Dilúvio, Cerveja e o Sobrenatural de Almeida

Tarde nervosa para este que vos escreve. No bar, cada cerveja anunciava o andar do ponteiro do relógio. A hora passava. Vinte e seis anos depois da conqusita do Brasileiro, no Maracanã, sobre o Vasco, a última rodada do Brasileirão 2010 podia consagrar o time das Laranjeiras como o grande campeão, o dono do futebol brasileiro no ano do centenário corinthiano. Enquanto esperava o Rômulo (do saudoso e-zine RioHC), meu companheiro de sofrimento e tensão nesta tarde, lemrava de tudo que acontecera nos últimos anos ao meu querido Fluzão: Vice da Libertadores, vice da Sul-Americana, quase rebiaxado ano passado... Lembrava também do que foi o Brasileirão 2010. Todos os indícios de que o mal venceria o bem este ano: Centenário, Ronaldo, Roberto Carlos, estádio da Copa de 2014 e todos os holofotes da mídia nos cem anos do clube paulista.


O artigo que eu publicaria aqui após a última rodada do Brasileirão iria se chamar ‘Meus domingos com Roberto Carlos’. Longe de se tratar de uma matéria sobre o Rei (da música), o mesmo trataria de minha agonia tendo de suportar, rodada após rodada, independentemente do resultados dos jogos e das posições na tebela, o furor quase uterino da mídia com relação ao Corinthians e seu lateral esquerdo. Tudo era motivo para um “Vamos ao vivo ao vestiário do Corinthians...”! Coisas exdrúxulas como: “Roberto Carlos fala do que achou do juiz da partida!”, “Roberto Carlos dá coletiva neste momento!” ou “Roberto Carlos fala das chances do Timão” e até “Roberto Carlos fala ao vivo com o craque (...) Neto!”. Irrita qualquer ser humano.



Mais que irritar, faz pensar se não está tudo armado, comprado, pronto para a festa dos cem anos de uma das maiores torcidas (literalmente um ‘bando’, eles mesmos admitem) do país. Não é segredo pra ninguém que o Tricolor João Havelange, presidente de honra da FIFA vai indicar seu cunhado, o nesfasto Ricardo Teixeira, para a presidência da entidade máxima do futebol após a Copa de 2014. O problema é que o mesmo Ricardo Teixeira dá mostras de que indicará o presidente corinthiano para seu luagr na presidência da CBF. O fato de André Sanchez ter sido enviado à Copa deste ano como presidente da delegação brasileira é um indício. O atraso na definição de um estádio paulista para a abertura da Copa (sendo que o Corinthians corre pra viabilizar o seu estádio), outro. Ou seja, tudo levava a crer que ‘não iriam deixar’ o centenário corinthiano virar um ‘centenada’.


De volta pro bar e minha tremedeira e transpiração incontroláveis: Já com o Rômulo na mesa e a bola rolando, o clima era de tensão. Comentários comedidos, copos esvaziados rapidamente e unhas devidamente destroçadas. Minutos depois chegaria o Tácio (meu ex-colega de banda Choose a Life, vascaíno, torcendo pelo futebol carioca e de olho no seu Vasco que venceria o Ceará e se garantiria na Sul-Americana). Todos os olhares eram pro Engenhão. Como diria Nelson Rodrigues (ele também foi ao estádio, certeza, ficou ao lado do Telê Santana que comandou o Muricy nesta tarde): “todos os Tricolores do Céu e da Terra, vivos ou mortos”. E tome cerveja! E tome suor! E tome tremederia! Os minutos se arrastavam e nada de gol. Encerrando sua carreira, o árbitro Carlos Eugênio Simon distribuia cartões às pencas. E nada de gol. No bar e no estádio, o desfile de sempre da torcida femiina mais linda do universo! O time tentava controlar o evidente nervisoismo. O Guarani, por sua vez, é um time que não chega sequer no razoável, mas resistia, e até ameaçava vez ou outra (o que quatro milhões não fazem). A sensação era nítida, ao menos pra mim: tá faltando alguma coisa, ou alguém... mas quem, ou o quê? Definitivamente, faltava alguém, e esse alguém chegou.



O Sobrenatural de Almeida esteve entre nós! Chegou atrasado, mas chegou. O atraso do personagem mais emblemático da história do Tricolor Carioca tem um motivo: Antes de chegar ao estádio carioca, ele fez uma visita ao Estádio Serra Dourada minutos antes de tomar seu acento no Engenhão. Lá em Goias, o Sobrenatural de Almeida não precisou de muito esforço. Consciente de que um simples olhar seu é suficiente para mudar a história de uma partida, o ilustre Tricolor lançou seus poderes na direção de Julio César. O pobre goleiro corinthiano não resisitiu: um passe básico, infantil, ridículo, se tornaria a desgraça do centenário de seu clube. Já em terras Cariocas, o Sobrenatural de Almeida – devidamente instalado em sua cadeira no Engenhão com seu Jornal dos Sports debaixo do braço – agiu novamente: Olhar fixo em Carlinhos que cruzou, a bola passa por Washington (em má fase, melhor não arriscar) e cai no pé do Sheik... Fluminense Football Club: Campeão Brasileiro de 2010.


Não era só um título, era um título do Fluminense. E quando isso acontece, o mundo muda. O Universo respira aliviado e conspira a favor das coisas boas. A benção João de Desus, Nelson Rodrigues, Telê Santana e todos os nossos guias nessa conquista. E tome chuva e cerveja, até não poder mais, até esquecer de tudo, de todos. Até esquecer do mundo, da vida, do dinherio (falta de), dos nomes, das vozes, dos gritos, de tudo! A chuva veio pra abençoar, lavar a alma, corrigir a história, sintonizar, inundar, se misturar com lágrima e cerveja... E por fim: “Grandes são os outros. O Fluminense é enorme.” (Nelson Rodrigues)


* * *


Um recadinho pro 'dublê de ex-craque' e pseudo-comentarista Neto e pro Dr.Osmar de Oliveira, ambos da Rede Bandeirantes: LAVEM ESSAS BOCAS IMUNDAS ANTES DE FALAR DO FUTEBOL CARIOCA!


Rafael A.


fotos: Portal Terra

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Guerra do Rio – A farsa e a geopolítica do crime


Recebi esse artigo do jornalista niteróiense Fábio Barbosa. Nele, José Claudio Souza Alves dá a sua visão e faz projeções do que estaria por vir após a mega-operação que, em tese, devolveu o Complexo do Alemão a seus moradores. Apesar das previsões de José Claudio não serem das mais otimistas, é sempre bom ouvir opiniões diferentes da maioria, ou mesmo olhar para uma mesma questão com um olhar mais crítico e desconfiado que o habitual. Questionar é sempre válido. Aí vai o texto que recebi por esses dias:

A Guerra do Rio – A farsa e a geopolítica do crime
José Cláudio Souza Alves - 25/11/2010
Nós que sabemos que o “inimigo é outro”, na expressão padilhesca, não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.

Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças públicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 consegue sustentar tal versão.

O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos 5 anos.

De um lado Milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.

Exemplifico. Em Vigário Geral a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há 4 anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela Milícia. Hoje, a Milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.

Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluíram na listas dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de “segurança”.

Sabemos igualmente que as UPPs não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos.

Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos políticos hegemônica na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparado que ocupa militarmente, etc.

Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadan Husein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo?

Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as Olimpíadas.

Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico.

Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.

A farça da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros.

Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e área pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos faz esquecer que ela tem outra finalidade e não a hegemonia no controle do mercado do crime no Rio de Janeiro?

Mas não se preocupem, quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Portos Maravilha da cidade.

Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão e o Bope passarem.



quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Zerovinteum! Rio de Janeiro...!



“Bombeiros de São Gonçalo confirmam um ônibus pegando fogo na Estrada Santa Isabel, em Santa Isabel.”

“Um veículo foi incêndiado em Vicente de Carvalho, próximo a Igreja do Carmo.”

“Muita atenção. Bope chega, neste momento, na Vila do Cruzeiro. Vários blindados dão apoio a ação.”

“Os oito presos acusados de terem envolvimento nos ataques no Rio foram transferidos para a penitenciária federal de Catanduvas, no Paraná.”

“O Comando Geral da PM convocou os comandantes dos cinco batalhões do Sul Fluminense para enviarem policiais para a capital.”




Somewhere high in the desert near a curtain of a blue
the sane man skirts under the wind
but down here in the city of the lime lights
the fans of santa ana are witherin'
and you can’t deny that living is easy
if you never look behind the scenery
it's showtime for drag lines
and bedlam is dreamin' of rain

when the hills of los angeles are burnin'
palm trees are candles in the murder wind
so many lives on the breeze
even the stars are ill at ease
and los angeles is burnin'

this is not a test
of the emergency broadcast system
when malibu fires and radio towers
conspire to dance again
and I cannot believe the media Mecca
they're only trying to battle reality, catch it on prime time, story at nine
the whole world is goin' insane


when the hills of los angeles are burnin'
palm trees are candles in the murder wind
so many lives are on the breeze
even the stars are ill at ease
and los angeles is burnin'

a clock that reads
the end of days
shotgun roundabouts are bending in the haze

more a question than a curse
how could hell be any worse?

the flames are startin'
the cameras runnin'
so take warnin'


when the hills of los angeles are burnin
palm trees are candles in the murder wind
so many lives are on the breeze
even the stars are ill at ease
and los angeles is burnin'

Los Angeles is Burning (Bad Religion)




foto: Ag. RBS/Folhapress

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

01/11/2010 ou “Nunca antes na história...”


“Nunca fomos tão brasileiros!”

Eu tentei, juro que tentei! Fiz um esforço considerável pra me manter acoradado e ecompanhar a apuração dos votos do segundo turno e, como já era esperado, assistir ao vivo a consagração da primeira “presidenta” da história deste país! Pra falar a verdade, a “sonolência” começou junto com o período de campanha eleitoral. De um lado a campanha do Serra atacando, a da ministra Dilma figindo que não é com ela e a Marina comendo pelas beiradas (mesmo ficando claro que não ia dar em muita coisa – e que até deu, em 20 milhões de votos). E mesmo no segundo turno quando, já “conhecendo o inimigo”, as duas campanhas partiram para um enfrentamento mais efetivo, por assim dizer, continuei com sono. Quem conhece este que vos escreve deve estar se perguntando: “Mas que diabos um infeliz iletrado, que vota nulo e se orgulha disso, acha que está fazendo falando em eleição??? Ele nem pode abrir a boca porque, anulando seu voto está se anulando, tirando o corpo fora” Ok, seja lá por que motivo for, deu vontade de escrever uma penca de coisas sobre eleição, sobre o meu e o seu voto, e por aí vai...

Em preimeiro lugar, votar nulo não tem necessariamente haver com tirar o corpo fora. O fato de anular meu voto tem muito mais haver com não me conformar com a idéia de ser obrigado a participar de um determinando processo. Seja lá qual for minha posição com relação ao mesmo. Na verdade, tenho um problema seríssimo com tudo que me é imposto, empurrado goela abaixo, atochado no @#$%^! Do tipo o “...cale a boca e consuma, cale a boca e consuma, você não tem direito de duvidar!”, da Plebe Rude se referindo a censura, lá atrás, em mil novecentos e oitenta e tal... Alistamento militar, voto obrigatório, enfim, tudo isso me irrita profundamente. Sendo assim: como o Estado não me dá o direito de duvidar e, simplesmente, ficar em casa no dia das eleições, vou ate lá e digito “0”, sempre foi assim. Não para me abster, mas por ser a única forma através da qual o Estado me permite expressar minha indignação com o voto obrigatório... Coligações, voto de legenda, voto em branco (afinal, conta ou não conta? caso não, qual a diferença dele pro nulo?), são alguns dos motivos que me impedem de participar de um processo que é imposto, mas não é claramente explicado pra maior parte da população. Tipo linguagem de advogado: tem coisas que só determinado “meio” entende, pra ninguém se atrever a questionar. Sendo assim, me recuso a fazer parte (mesmo que não me dêem essa opção) do processo. Só isso!


De alguma forma o meu Voto Nulo, que escandaliza militantes partidários e crentes na nossa política, me soa tão ”inversamente lógico (nem eu entendi essa...rsrsrs)” quanto o voto consciente (???) dos mesmos. Senão vejamos: Você sabe o nome do presidente de seu partido? Prefiro acreditar que sim. Mas e o presidente do seu partido, sabe seu nome??? Duvido. Como alguém ou um grupo, propõe te representar seja lá onde for sem sequer saber de seus anseios e necessidades mais básicas (nem em condomínio isso soa aceitável)? Trata-se de uma relação, por demais, desigual. Não me convence. Ok, tenho amigos inteligentes (bem mais que eu, o que não exige muito esforço) e esclarecidos que defendem a militância partidária fervorosamente. Nenhum conseguiu me convencer a levantar uma bandeira que não diz nada, ou muito pouco, a meu respeito. De volta a meu Voto Nulo: eu poderia simplesmente não ir e justificar (mentir sobre) minha ausência. Me soa hipócrita, covarde, estúpido, enfim. Talvez eu respeite mais (e me importe com) o Estado do que ele a mim...


“O poder do sim ou não, as letras em negrito...”

Mas vamos dizer que o Estado me permitisse raciocinar e chegar a concluão que não deveria participar das eleições, seja por qual motivo for; ainda assim votaria nulo. Também não estou convencido de que a classe política trabalha em benefício do cidadão. Sendo eles agentes públicos, deveriam fazê-lo. Concordam? Trata-se de uma classe que trabalha, unica e exclusivamente, em benefício próprio. Apenas para eles e seus iguais, nada além. Fora minhas crenças político-filosóficas, se é que podemos chamar assim, tem o fato de duvidar do processo eletoral em si. Tipo o seguinte: Não sei se importa muito quem é ou não eleito. Acredito que esse ou aquele grupo político pode tomar decisões ou medidas que “facilitem” a vida de determinada parcela da população. Mas não acredito que as decisões relacionadas aos rumos de nosso país não passem, majoritáriamente, pelas garras da industria farmaceutica, mídia de massa, multinacionais, grandes empreiteiras, enfim. São muitos interesses envolvidos nos “rumos de nossa nação”. Não sei até que ponto os poucos que realmente tem e ganham dinheiro por aqui, confiariam o futuro de seus negócios a um congresso formado por, entre outros, pagodeiros, jogadores de futbeol e (agora) mulheres-fruta e até palhaços (nada contra a classe dos palhaços, ok?)! Muito menos, entregar seus lucros e suas fortunas nas mãos de uma população carente de educação e informação.

Aliás, a vitória nas urnas (???) de um analfabeto (chegaram a uma conclusão?) foi capaz de causar mais polêmica que as dezenas de mulheres-fruta, pastores, jogadores de futebol e criaturas afins que vão junto com o(s) palhaço(s) pra Brasília. O pior, é que a eleição do palhaço Tiririca levanta uma questão, ao meu ver, mais importante que o fato dele saber ou não assinar o próprio nome (até que se prove o contrário, a condição primordial pra se considerar ou não alguém alfabetizado). A partir de que momento chega-se à conclusão de que o sujeito não-alfabetizado pode escolher se quer ou não votar, mas não permitem ao mesmo pleitear um cargo público? Soa, no mínimo, absurdo! O analfabeto pode dar seu voto pra esse ou aquele candidato (ou partido), mas não pode ser eleito, ou mesmo eleger alguém que o represente, se este for, assim como ele, não-alfabetizado.


“New Maps of Hell...”

Seja como for, e levando tudo isso aí em cima em consideração, acordei nessa manhã de segunda-feira em meio a um feriadão (o alto índice de abstenções foi por causa disso? ou, de repente, sou eu que não esotu nem aí?) e com uma sensação familiar: A de que muito pouca coisa vai mudar. Nem pra um lado, nem pro outro. Digo isso com relação a tal continuidade do governo Lula, que não virá tão fácil pois a dona Dilma vai ter pela frente uma oposição como nunca se viu na história deste país (três vezes PT? “neguinho” não vai deixar barato assim...rsrs)! A história de que “O Brasil pode mais” também não é fácil de engolir, ao menos não com o Serra. Já que, reconheço, muitas medidas e programas surgidos nos oito anos de governo petista, no mínimo, deram uma sensação de melhora para as camadas mais pobres da sociedade e de estabilidade pra uma parte da classe média. Sem esquecer do Real, daquela gracinha do FHC (da turma do Serra), que garantiu a tal estabilidade. Tá vendo? Acaba dando, meio que, no mesmo. E mesmo quando os dois lados da moeda (que pra mim são um só) parecem pensar na população, dão um jeitinho de adiantar o próprio lado. Tipo “morde e assopra”. Tiram de um lado e dão do outro. Mas sempre no limite do que é interessante pra eles. Não importa de que lado estejam, ou a cor da bandeira que levantem; nem azul, nem vermelha... e nem verde também.

Sinceramente me custa acreditar que a ministra e ex-guerrilheira Dilma tenha o jogo de cintura e a moral de seu patrão, Lula (não só pela história de vida e trajetória política, mas pela aprovação popular absurda de seus dois governos). Não só nos assuntos internos mas com relação à política internacional (apesar de uns tropeços aqui e ali...). O que levanta outra questão: Em quatro anos o PT inventa uma outra Dilma? Vai saber... Fato é que, provavelmente, o país terá seus últimos quatro anos de governo petista. O que vem depois? Sei lá, mas apesar do pessimísmo que me acompanha desde sempre, eu queria acreditar. Eu queria acreditar em um monte de coisas: nas lágrimas da Dilma, na sede de vingaça do Serra, no “00 - confirma” que eu digitei ontem à tarde na urna. Queria acreditar em tanta coisa que chego a sentir inveja dos que acreditam. Queria ter terminado meu domingo completamente bêbado vestido de vermelho dos pés à cabeça! Eu ia achar o máximo! Dançar e beber com aquelas pessoas sem setir uma vontade quase incontrolável de pará-las e perguntar: vem cá, você relamente acha que vamos transformar esse país num lugar decente? As instituições públicas vão atender ao interesse do público? A corrupção será reprimida com veemência? Os meios de comunicação e o ascesso à informação serão plenamente democratizados? Os problemas serão atacados de verdade (e com vontade)? O dinheiro vai deixar de falar mais alto (em todas as esferas do poder público)? Sei lá... eu realmente queria acreditar, de coração.

Rafael A.


Trilha sonora de uma segunda-feira pós-eleição:
“O Concreto já Rachou” (Plebe Rude)
“Give me Convenience or Give Death” (Dead Kennedys)
“The Dark Side of The Moon” (Pink Floyd)
“Recipe for Hate” (Bad Religion)
"R ao Contrário" (Plebe Rude)
“Afasia” (Dead Fish)


Na última semana morreram o polvo Paul, a baleia encalhada numa praia em Búzios (RJ) e o Romeu Tuma: Meus sentimentos às famílias do polvo e da baleia.



ps: Desculpem as aberrações gramaticais, erros primários e tudo o mais, ok?




fotos (na ordem em que aparecem):

sábado, 23 de outubro de 2010

Das Nuvens


Capitulo 1: A solidão e a cidade

Naquela manhã, foi o primeiro a chegar ao escritório. Não era o funcionário favorito do chefe a toa; gostava de fazer tudo do jeito mais ‘caxias’ possível. A mesa sempre bem arrumada, documentos e pendências sempre bem organizados e lembretes no bloco destinado aos mesmos. Tudo sempre atualizado e, por vezes, com cópia pro caso de possíveis perdas. De fato, um chato com ele mesmo e um incômodo para os colegas de escritório. Até porque, seria quase impossível para qualquer um deles alcançar algum destaque ou merecer algum elogio enquanto o ‘mala’ por ali estivesse.

Por se tratar de um sábado, não havia muito que fazer no escritório. Embora não visse problemas em trabalhar seis dias na semana, dependia dos outros colegas de firma. Era necessário, em alguns casos, que os outros estivessem tão adiantados quanto ele no serviço para que ele pudesse cumprir sua rotina de bons serviços prestados. Como uma boa parte dos funcionários largava tudo ao léu na sexta após o almoço e sequer voltavam para o trabalho, os sábados eram praticamente ‘ponto facultativo’. Só ia quem quisesse. Ele, o chato, estava sempre lá. Ao menos naquela manhã, foi bom ser dessa forma. Sobre sua mesa, um lembrete quase passou despercebido. Em meio a sua organização rotineira, não notou um bilhete deixado num canto da mesa. Obviamente colocado fora do espaço habitual para lembretes, o mesmo não seria notado não fosse sua vistoria diária por toda extensão de sua mesa em busca de recados deixados ali por algum desleixado.

Desdobrou o bilhete com a calma habitual e, como sempre, se detendo de tempos em tempos para desfazer cada dobra. Afinal, se havia um bloco destinado a recados (com todas as folhas de mesmo tamanho e presas ao todo da mesma forma), porque alguém cometeria a maldade de usar um pedaço de papel diferente? Após esticar e desdobrar por completo o tal papel e restabelecer a ordem em sua mesa de trabalho, passou a leitura do recado. Este dizia:

Bom dia idiota!
Como sabíamos que você seria o único imbecil capaz de aparecer no escritório em um dia de sábado, lhe deixamos esse recado. Estamos todos em um churrasco na casa do Hermes, o contador. Tem uma grana dentro da última gaveta da mesa do chefe, pega ela e compra umas cervejas e pó. Depois vem pra cá. Chegando aqui vai ter que comer uma puta, ou alguma vadia do escritório mesmo, na nossa frente!!! A Márcia e a Vânia já disseram que fazem o sacrifício. Vai ser sua forma de provar que é um homem, e não um saco de merda que só pensa em trabalho. Você tem até as 13h pra aparecer aqui com tudo que pedimos. Caso contrário vamos na sua casa te dar umas porradas pra você aprender a ser homem!

Atenciosamente,
Seus bem feitores

É claro que não tocou no dinheiro que estava na gaveta do chefe. Chegou a conferir se o numerário estava realmente lá, mas não teve coragem de colocar as mãos. Não sem uma autorização assinada pelo chefe. De novo se sentia incomodado com suas próprias circunstâncias. Sempre elas a amarrá-lo a alguma coisa que o impedia de viver e conquistar as coisas que sonhava. Amigos, mulheres, sonhos, sorrisos, vidas deixadas para trás sem remorso. Nada disso fazia parte de sua débil existência até aqui. Apegava-se as poucas coisas que conseguia conquistar e não olhava ao redor com medo de perder o que já tinha. De fato, tudo o incomodava: suas roupas, suas músicas, seu cheiro, suas anotações, os óculos, as canetas organizadas no bolso do paletó, o bloco de anotações...





Capítulo 2: Deuses da chuva, demônios da garoa

Decidiu, mesmo não tendo pego o dinheiro na gaveta do chefe, ir ao encontro de seus ‘colegas’. Fosse como fosse, eram suas únicas companhias. Eram as únicas pessoas com quem convivia, ou se relacionava. Mesmo que isso não soasse agradável; ao menos para eles. Talvez ele não precisasse cumprir todas as tarefas impostas pelo bilhete deixado em sua mesa. Podia ser só uma brincadeira. No final das contas podia ser só uma questão de aparecer na confraternização e ser agradável, falar de amenidades e mostrar que era capaz de se socializar de vez em quando. Caminhando pelo Centro da cidade pensou no que havia vivido até ali. O que durou poucos minutos, já que tirando o diploma em administração e os prêmios de funcionário do mês ganhos seguidas vezes, não tinha nada de muito relevante pra recordar. A chuva fina que caía na cidade vazia não chegava a incomodar. As doses cavalares de vitamina C tomadas diariamente (para não adoecer e, consequentemente, não correr o risco de perder um dia produtivo de trabalho) deviam ser suficientes para protejê-lo de um resfriado, virose ou coisa do tipo. O cenário era, em alguns aspectos, assustador. A imponência dos arranha-céus era aniquilada pelo cinza das nuvens. O silêncio nunca lhe soou tão profundo, opressivo e assustador. Era o mesmo silêncio que o acompanhava todas as noites antes de adormecer, porém nunca o olhou nos olhos como naquela manhã de sábado. Trouxe à mente dúvidas. Que não existiam antes; quando as certezas lhe davam a confiança comum aos fortes e vitoriosos. Diferente do que acreditava, era ele o perdedor. Sua disciplina e retidão não lhe conferiam mérito ou valor algum. Agora sabia. O cinza do dia tentava lhe dizer isso havia tempos.

O bilhete dizia: “compra umas cervejas e pó”. Comprar umas poucas latas de cerveja não lhe parecia algo errado. Mas pó!?! Como conseguir? Onde conseguir? Tratava-se de uma substância proibida. E não se sentia preparado psicologicamente para infringir leis. Decidiu ir a casa do Hermes somente com as cervejas. Ok, era melhor ir preparado: Pensar bem nas coisas que iria dizer, estar preparado para possíveis brincadeiras e piadas... Tudo daria certo! Na segunda-feira seria apenas mais um naquele escritório. Deixaria de ser o desagradável, o calado, o patético, enfim. Seria só mais um matando o tempo dia após dia a espera do ordenado. Com tantas coisas na cabeça, nem percebeu que o ônibus que havia tomado no Centro já estava quase chegando ao bairro onde ficava a casa do Hermes, na zona norte da cidade. Ao menos era o endereço que haviam deixado anotado no quadro de recados. Ao descer, pensou se valeria a pena aquela tentativa desesperada de ser aceito por aquelas pessoas. Afinal de contas, era explícito o desprezo que os colegas tinham para com ele. O que só era reforçado pelo tom do bilhete que haviam deixado pra ele. Não era um convite, era uma intimação, uma ordem!

Por alguns instantes torceu para que o endereço fosse falso, enquanto esperava que alguém viesse abrir a porta. Márcia e Vânia vieram abrir. Não conseguiu não reparar nos seios quase a mostra que as duas tentavam esconder dentro de minúsculos biquínis, e nas coxas grossas que ambas exibiam com seus shorts que permitiam enxergar praticamente seus úteros a metros de distância. As duas estavam visivelmente bêbadas e o receberam, aparentemente, bem:

- Oi! Finalmente chegou nosso convidado especial....Hahahahaha!!!
- Querido, se prepara que hoje eu e a Vâninha vamos te dar o melhor presente que você já ganhou na vida!!!
- Olha pra boca dessa sem vergonha! Tá até babando, doida pra dar a boceta pra você! Hahahahaha... Tá louquinha pra chifrar o maridão contigo, hein?
- Entra! Entra!
- Os meninos estão te esperando na churrasqueira. Lá atrás. Vai indo que nós vamos nos preparar pra cuidar de você....






Capitulo 3: A violência travestida faz seu trottoir

Nos fundos da casa, o cheiro de cerveja dominava o ambiente. Se aproximou timidamente com a sacola com poucas latas de cerveja e, com um aceno de mão tímido, saudou os convidados que ali conversavam animadamente. Não que já não esperasse por algo do tipo, mas se assustou quando todo o lugar parou para analisar dos pés a cabeça o convidado retardatário que chegava a reunião. Cada sorriso cortava-lhe a alma, atravessava seus olhos e deixava um rastro de vergonha e medo por onde passavam. Era, sem sombra de dúvidas, a pior sensação que já havia experimentado em toda sua vida. Os caras do escritório o cercaram e permaneceram em silêncio por alguns segundos que pareceram horas pra ele. Foi o Hermes, o dono da casa que quebrou o silêncio recém instaurado por sua chegada:

- Qual é seu bosta? Vai ficar parado aí? Deixa eu ver que cerveja é essa que você trouxe. Pegou a grana na gaveta do chefe? E o pó da rapaziada? Essas meninas do escritório só dão a base de pó, hein?

Sem saber o que dizer, esboçou um sorriso sem graça. No fundo, queria acreditar que as brincadeiras não passariam daquele ponto; até porque se tratavam de adultos e não é possível que fossem mais fundo do que já haviam ido com ele. O Hermes pegou as cerveja e levou-as para o freezer, próximo a churrasqueira. Pouco tempo depois, sentado sozinho em uma das mesas e sendo alvo de olhares de desprezo e risadas contidas, voltou a ser o centro das atenções. Vânia saia de dentro da casa, de cabelos molhados e fumando um cigarro. O biquíni parecia ter diminuído. De seus olhos saíam faíscas de pura maldade (ou assim lhe pareciam) que penetravam nele sem dó. Foi então que a morena de seis fartos sentenciou:

- É o seguinte galera: A Vâninha ta nuazinha no banheiro, toda cheirosinha esperando o amigo de vocês pra tirar o cabaço dele... Depois vai ser minha vez! Cadê o pó?!?

Hermes interveio:

- Acabou a brincadeira! Vai e mete a pica na safada! A gente promete que o marido dela não vai ficar sabendo. Todo mundo aqui já comeu as duas e os cornos nem desconfiam. Vai lá, seu mané!

Como não esboçara nenhuma reação, e já sabia que seria assim se uma coisa desse tipo acontecesse, três dos bêbados que estavam mais perto de sua mesa o agarraram e imobilizaram. Não viu muita coisa, mas em poucos instantes estava praticamente despido e jogado no chão frio do banheiro. A sua frente, Vânia o olhava com um sorriso quase de pena nos lábios grossos de onde escorriam pingos de cerveja. A mulher limpou o queixo e foi até ele. Com uma das mãos segurava a lata; a outra foi direto para o meio de suas pernas. Apertou seu pênis com firmeza e anunciou que aquela era a hora!

- Como é que é seu merda!?! Isso não fica duro não? Apostei com a minha colega que você só era um bosta no escritório! Vai dar conta de mim ou não? Até o chefe, velho e broxa brinca com a Vâninha aqui de vez em quando. Qual vai ser?!?

Foi até o basculante e avisou aos demais que esperavam ansiosos o desenrolar daquilo tudo, do lado de fora:

- Aí galera! Vou precisar de macho hoje, hein? Esse aqui é bicha e broxa! Hahahahaha!






Capítulo 4: O começo é o fim e o fim é o começo

Podia ser o olhar de pena daquela mulher nua a sua frente naquele banheiro; ou mesmo os gritos que vinham do lado de fora. O fato é que em uma fração de segundos não via mais nada. Quando caiu em si já havia espatifado a porta do box de vidro com a cabeça da colega de escritório. Daí até se desesperar com o sangue tomando conta de todo o cômodo foi um pulo. Arrombou a porta que havia sido trancada e correu sem saber direito pra onde. Só ouvia os gritos de ‘broxa’, ‘bicha’, ‘frouxo’, ‘otário’ e ‘cabaço de merda’ que iam ficando cada vez mais altos na sua cabeça independente do quanto se afastava da casa do contador. No fundo sabia que nunca deveria ter ido lá. Olhou pra trás e viu a casa já bem distante. Do portão saiu o Souza, um office boy que entrara na firma a bem pouco tempo, aos berros:

- Você matou ela seu bosta! Seu merda, era brincadeira! Tu vai ser preso seu otário! O Hermes foi pegar a peça e disse que vai te caçar seu imbecil!

Só consegui pensar em correr até a rua principal e tentar um taxi. Nenhum se atreveu a parar para um sujeito tremendo, com as calças sujas de sangue e cortes nos braços. Caminhou rezando para que não passasse nenhuma viatura da polícia e o parasse pra perguntar o que havia acontecido. Chegou a pensar em voltar e ver o que podia fazer para ajudar a mulher que deixara caída no banheiro. Mas a idéia do Hermes, o dono da casa armado e furioso o assustava demais. Sem fazer muita idéia de como havia conseguido chegar a seu apartamento no Centro da cidade, acordou no dia seguinte ainda com as mesmas calças sujas de sangue. Passou o domingo todo em casa, trancado no quarto em silêncio e esperando que alguém batesse à porta para prendê-lo. Nada aconteceu.

Na segunda-feira, ainda tremendo de medo, não conseguiu resistir à rotina de se levantar, trocar de roupa e ir para o escritório. Acontecesse o que acontecesse, quebrar a rotina e perder um dia de trabalho lhe soava mais assustador que a certeza de encontrar a polícia a sua espera na porta de casa. Ao chegar ao escritório encontrou todos reunidos perto da janela falando muito baixo, quase sussurrando. Após um esforço sobre-humano, olhou por cima dos óculos e perguntou quase que pra si próprio, mas tendo como alvo os colegas a sua frente, como estava a colega. A resposta veio em seguida, da boca de Márcia, que falou calma e pausadamente:

- Fica tranqüilo seu bosta, ela não morreu. Mas ta em casa com a cabeça enfaixada, seu imbecil. Por causa de uma brincadeira você ferrou com a vida de uma mãe seu idiota!

Um ‘sinto muito’ saiu de sua boca, mas sequer foi ouvido, já que Hermes acabava de entrar na sala fitando-o severamente.

- Seu filho da puta, você tem noção da merda que você fez? O marido dela descobriu o que rolava nos churrascos do escritório. No hospital, encontraram vestígios de cocaína no sangue da menina. O corno ta pedindo o divórcio e já avisou que vai levar os filhos pra casa dos avós no Sul. Você é um merda, devia estar internado. Mas o chefe já cuidou disso. Conversamos todos com ele ontem. Ele tem amigos na polícia. Fica tranqüilo, não vai mais precisar forçar um ‘bom dia’ pra fingir que se importa com ninguém aqui. Vamos finalmente nos livrar de você.

-O chefe ta te chamando na sala dele... - disse Souza saindo de cabeça baixa da sala do chefe.

Qualquer coisa que ele dissesse não faria a menor diferença naquele momento. Não pediu pra ser convidado pra festa nenhuma; só queria passar o sábado trabalhando com fazia todas as semanas. Não planejou nada daquilo. Foram eles, e a própria Vânia que inventaram tudo aquilo. De qualquer forma, era melhor ir logo ver o que o chefe queria com ele. Provavelmente seria demitido.

Ao entrar na sala e fechar a porta se deparou com um policial e dois homens de branco. Pareciam ser enfermeiros, mas não tinha certeza. O chefe pediu que ele se sentasse e ouvisse sem interromper:

- O pessoal me contou de seu ataque no churrasco deles ontem. Olha aqui, você sabe que não devia nem ter ido lá. Ninguém te convidou. O Hermes não faz idéia de como você descobriu o endereço dele. Você aparece sem ser convidado, invade o banheiro e quase mata uma moça, mãe de três filhos, por nada!?! Eu sabia que você não era bom da cabeça, mas daí a chegar a esse ponto??? Era só vir ao trabalho, voltar pra casa e tocar sua punhetinha sem incomodar ninguém. Era só não tentar ser como os outros. Era só fingir que você não existia, como você deve ter feito sua vida toda... Meu rapaz, eu vou ser teu amigo. Contei uma história louca pro meu amigo aqui da polícia. Ele já disse que vai aceitar em consideração a mim. Pra todos os efeitos você entrou na empresa através de um programa maluco desses do governo que empregam doentes mentais, ok? Você não vai ficar preso nem nada, esses dois enfermeiros vão te levar pra uma clínica particular, coisa fina. Vou usar seu FGTS pra pagar essa porra. Você fica lá por uns tempos e quando sair vai estar automaticamente desligado de nosso quadro de funcionários. É só assinar aqui. E pra coisa ficar no esquema, é legal o pessoal do prédio te ver saindo na camisa de força. Só pra parecer de verdade. Você não se importa, né? Assina aí e usa esse tempo pra pensar nessa sua vida de merda. Vai por mim, é melhor assim. Pode levar, Fontes!

No final do discurso do chefe, já estava convencido de que tinha mesmo alguma culpa naquilo tudo. Não pelos motivos que o coroa a sua frente expunha, mas por motivos que só ele conhecia. Melhor não reagir, só pra variar. Vai ver era pra ser desse jeito mesmo. Talvez, se tivesse ficado em casa isso nem tivesse acontecido. Provavelmente iriam esquecer dele em bem pouco tempo. Em todo caso, era melhor assim. Perdia, se entregava, desistia, aceitava... só pra variar... Nunca mais foi visto.

Rafael A.

Sem pretensões


Este sou eu, ainda o mesmo. Igual, chato, redundante, boçal. Tudo sempre igual: vícios de linguagem, deuses da chuva, dias de sol. Ainda penso nas mesmas coisas e ouço as mesmas músicas. Guio-me perdido pelas mesmas ruas e caminho sempre em direção aos mesmos lugares. Pra ver e viver os mesmos rostos, ouvir as mesmas vozes, duvidar das mesmas verdades e desprezar os mesmos sorrisos. Pra incomodar do mesmo jeito e sair de cena com a mesma discrição. Descrevendo pra mim mesmo os mesmos atos com seus mesmos finais, iguais. Enfim, este sou mesmo eu. Sem pretensões. De fato, sou eu...

Este sou eu: Ainda preso aos mesmos lugares, sentenças, medos e modos. De novo igual, estagnado, monótono, tão patético quanto meus iguais. Tudo que não quis ser. Este sou eu, hipócrita comigo mesmo e com minhas virtudes. Separando coisas. Calculando o incalculável. Afeiçoado a meus defeitos e dependente de minhas falhas... Eu, de novo. Como sempre: me plagiando, copiando, reaproveitando os restos, me martirizando e gozando de fracassos. Este sou eu, na mesma esquina. No fim do caminho e com a mesma canção. Sou eu mesmo? Ainda? De novo? Ok, ‘se não fosse desse jeito sabe lá...’, né?

Rafael A.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

De volta ao início, de novo.

“Quando se anda em círculos, nunca se é bastante rápido.” O último verso de “Filmes de Guerra, Canções de Amor”, última música do segundo álbum dos Engenheiros do Hawaii, provavelmente remete a mais uma das muitas viagens proto-existencialistas de seu líder e letrista Humberto Gessinger nos anos oitenta. Mas, mais que isso, reflete um aspecto inerente à cultura pop de nosso país. Nós, fãs de música, veículos independentes, mídia especializada (...) ou a industria do entretenimento pura e simplesmente; estamos sempre atrás de bandas novas, músicas novas, enfim, queremos coisas novas sempre. Queremos aquela sensação de descoberta, de encontrar uma banda que quase ninguém conhece, enfim. Mas já parou pra pensar que estamos sempre voltando pro mesmo lugar?

O ‘estalo’, por assim dizer, não é novidade. A discussão é velha, mas em tempos de internet e seus fenômenos – como os novatos Hori, Restart, Cine e coisas do tipo – soa engraçado que ainda queiramos ficar presos a velhos ícones e donos da razão. Não estou dizendo que o filho do Fábio Jr. e seus congêneres sejam a salvação de coisa alguma, ou mesmo que talvez possam ter alguma coisa interessante pra dizer ou acrescentar a qualquer discussão, por mais banal que seja. Só que o fato de produtos como estes atingirem um nível tão grande de aceitação entre o público adolescente é a prova de que é possível buscar outros caminhos para o mercado musical (independente ou não).

Ok, dando nome aos bois: O assunto me veio à cabeça depois de uma ‘passada de olho’ por um caderno cultural de um grande jornal daqui do Rio. Capa e parte da contra capa eram dedicadas ao novo álbum de Gilberto Gil. Logo a baixo (na mesma contra capa) uma carta em resposta a uma matéria redigida por Caetano Veloso uma semana antes. Ou seja, sempre os mesmos. Sempre aquela velha mania de ir perguntar ao Caetano ou ao ex-Ministro da Cultura o que eles pensam a respeito de qualquer coisa que o valha. Quando eles lançam disco novo então... Mesmo que sejam tão somente repetições maçantes fruto de carreiras estagnadas (mas nem vou entrar no mérito da questão). Fato é: Estamos sempre dando voltas e retornando ao mesmo lugar.

Os ícones (...) citados aí em cima fazem parte do cenário musical e cultural de nosso país desde o final dos anos sessenta. De lá pra cá tivemos uma penca de bons nomes com muita coisa pra dizer nos anos oitenta, e até nos noventa, por incrível que pareça. Renato Russo, por exemplo. Tinha opiniões bem definidas a respeito dos mais diversos assuntos e sabia se expressar e comunicar essas opiniões ao público jovem. Mas não aceitou o rótulo de representante de nada, nem de ‘educador via satélite’. A Plebe Rude era outro exemplo de banda com integrantes esclarecidos e com opiniões interessantes (vide sua letras). Os anos oitenta passaram, os noventa também. E eis que, em pleno 2010, ainda precisamos recorrer a dupla Gil & Caetano para termos nossa ‘sede de cultura’ saciada. Ou mesmo para obtermos respostas para assuntos dos quais sabemos muito pouco (e, às vezes, eles também).

Musicalmente a coisa é bastante parecida. Sempre voltamos ao mesmo lugar. Ao pop, ao assimilável, ao fácil ou banal. No início dos anos 2000 tínhamos um cenário independente interessante e, até, promissor em alguns aspectos. Boas bandas tanto de hardcore, emocore (não confundir com o que está aí hoje) e de música extrema (usando qualquer rótulo que o valha). O tempo passou, fomos surpreendidos por uma onda de ‘profissionalismo’ que transformou todo mundo em artista, ícone, enfim. Era a internet com suas milhões de possibilidades. Havia público pra todo mundo e pra ninguém, ao mesmo tempo. Mas era preciso o aval da mídia de massa, que preferiu ficar na dela e ver no que ia dar. Resultado? De volta ao pop, ao inofensivo. De volta ao NxZero, ao Fresno. Me refiro ao formato, não aos nomes de uma forma específica, ok? Aliás, as duas já vinham de uma outra época. Lá de trás, bem no comecinho do tal emocore por essas terras (trazido pra cá por Dance of Days e sua turma). Nada muito diferente do que acontecia nos, aqui citados, anos oitenta. Enquanto Legião e Plebe Rude invadiam as paradas de sucessos uma penca de bandas Punk fazia barulho nos porões do Rock nacional. A senhora Grande Mídia até flertou com o estilo, pinçando esse ou aquele nome. Os Inocentes são um exemplo disso. Vieram do reduto Punk, foram pinçados e expostos. O resultado? Quem vendia mesmo eram nomes como Blitz, Radio Taxi e outros de hits inofensivos. Voltávamos, mais uma vez, ao mesmo lugar. Voltávamos à inocência da Jovem Guarda e de Celly Campello, primeira geração genuinamente ‘roqueira’ que tivemos por essas terras.

Soa penoso, maçante, estúpido. Abrimos o jornal e damos de cara com mais uma entrevista altamente esclarecedora do ex-Ministro da Cultura, ou com mais uma matéria assinada por Caetano Veloso. Vamos a um festival de bandas independentes e damos de cara com uma garotada se revezando em um palco em busca da fama, de um lugar ao sol (ou na Garagem do Faustão), ignorando todos as possibilidades que um mercado independente viável e auto-sustentável, como o da virada dos 90 para os 2000, nos oferecia. Voltamos a sonhar com espaço em redes de televisão? Voltamos aos anos oitenta? Com uma penca de bandas e poucos veículos para mostrá-las? Voltamos a oferta maior que a procura? Enfim, voltamos ao início, de novo.

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Detalhe interessante? No mesmo caderno de cultura ao qual me referi, havia uma resenha do show de um tal Chuck Berry no Rio. Nada de mais, certo? Só um dos inventores desse tal de Rock’ n Roll tocando com um som horrível e pra uma casa vazia. Ou seja, quando é pra olhar pra trás por um bom motivo, fingimos preferir olhar pra frente. Vai entender...


Rafael A.